sábado, 10 de outubro de 2009

disco: ZII E ZIE, Caetano Veloso

não é um disco fácil.

é um disco de caetano, ou melhor é o novo disco do caetano.
não é um disco solar a começar por sua capa...presume-se que seja o rio de janeiro, mas o rio de caetano é de sombra, penumbra e pouca luminosidade!


o rio está úmido e sombrio... no rio choveu muito em 2008, ano da feitura do disco.
presume-se que sejam rocks e sambas, mas são transambas e transrocks.
até o título é sui generis...zii e zie...expressões italianas lembram mais sampa que o rio, mas o cd está impregnado de rio de janeiro por todos os lados.



depois do invulgar, incomum, inusual e trangressoer Cê, a que tive o privilégio de assistir em Brasília (lançamento da turnê brasileira) e na sua passagem por Teresina, e claro assistir ao visível desapontamento de uma parte da platéia que quer sempre e por todo o sempre ouvir Leãozinho e Você é Linda, Caetano atacava de Rocks, Odeio Você, Amor Mais que Discreto, Não Me Arrependo de Você (dessas músicas de ódio que você só faz lembrando de alguém que você foi capaz de muito amar)...

mas isso é o Cê e Zii e Zie fez o Cê tornar-se passado.

agora no cd novo, com uma feitura de obra em progresso, em shows no rio ano passado, as novas músicas foram sendo apresentadas generosamente ao público, no melhor estilo men at work...


a banda está ainda mais afiada, a sonoridade não é a princípio acolhedora, as camadas de sons vão se decantando aos poucos, o canto de caetano é sempre ou quase sempre limpo e sempre bonito, e o encanto escondido e oculto como eclipse, surge e se estabelece em definitivo.

vamos às músicas...

bem...são treze canções, da politizada Base de Guantánamo, passando pela boba Tarado Ni Você (esta talvez a faixa mais fraca da obra)...

há a linda Sem Cais,

a pungente Perdeu (com a bandaCê inspiradíssima),

as alegres e coloridas
A Cor Amarela (música de verão de um CD de outono), e

Menina da Ria (lembram de menino do rio, mas agora trata-se da descrição de uma passagem lusitana do mano Caetano),

há o rio em Lapa (“Pobre e requintado e rico e requintado/ E refinado e ainda há conflito/ Pelourinho vezes Rio é Lapa/ Lapa/ Veio a salvação/ Lapa/ Falta o mundo ver/ Assim”) e

ainda mais versos interessantes de Diferentemente:
“Eu nunca imaginei que nesse mundo/ Alguma vez alguém soubesse quem é/ Mas se você me vê seus olhos são mais do que meus/ Pois amo/ E você ama/ E aí o indizível se divisa/ E a luz de tantos céus inunda a mente”,

há batidas inteligentes e desconcertantes (o arranjo de incompatibilidade de gênios) e

por fim o convite do Ota para que vocês conheçam o novo de um artista consagrado, que tem a sacra e profana ousadia de experimentar, de sair do cânone, de buscar novas luzes, novos caminhos, e ele como diz a mana Bethânia nem sempre acerta, nem sempre é bonito, mas é sempre bom ver alguém com coragem em tempos tão...


quarta-feira, 7 de outubro de 2009

livro: ABISMO POENTE, Whisner Fraga


Conheci o Whisner Fraga passando cheque sem fundo pra ele... Pois é...

Havia duas coisas, em 1998, com as quais estava aprendendo a lidar: conta em banco e me enturmar no cenário literário. Nesse ano, o Whisner organizou uma antologia de contos para a Blocos Editora, naquele sistema de o autor colaborar financeiramente com o feito. Bom, eu colaborei com um conto e também com um cheque sem fundo. Mas foi apenas descuido de principiante. Paguei a conta e ganhei um amigo.

Mais do que um amigo, tornei-me apreciadora das obras desse autor. De Seres e Sombras, passando por inéditos que – agradecidamente - recebo por e-mail para matar a vontade de lê-lo, pelo belíssimo O Livro dos Verbos, chegando ao atual Abismo Poente. As obras de Whisner Fraga mostram um autor plural.

Primeiro que meu lado poeta não se fez de rogado e adorou o título. Depois, Abismo Poente - uma coletânea de contos que, na verdade, pode ser lida como um romance – se mostrou uma obra muito bem construída, capaz de levar o leitor a uma viagem intrigante e interessante pela cultura dos imigrantes libaneses, numa linguagem tão intimista que permite que nos embrenhemos na trama como se a assistíssemos pela janela.

Particularmente, muito me encanta a forma como Whisner tece metáforas. Há nesse fazer um enriquecimento poético em Abismo Poente, numa prosa que desvela desafetos, descuidos, maledicências, estrangeirismo até mesmo quando se chama a terra onde se pisa de lar. A pessoa quem se ama de lar.

Chegar ao âmago do ser humano, ainda antes de lhe alcançar a bondade, o amor e a compaixão, é tarefa para poucos. Whisner Fraga é um desses poucos. E Abismo Poente é uma das provas.