segunda-feira, 30 de novembro de 2009

filme: SETE VIDAS, Gabriele Murccino


O Ben Thomas de Will Smith, personagem central desse filme conduzido pelo número 7, considerado mágico e poderoso, chega a me deixar com aquela dorzinha no coração. A tristeza que ele interpreta é tão densa, tão angustiante que o expectador, sem perceber, passa a respirar tão pesado quanto o personagem, sentindo-se também acuado pela dor dele.

Particularmente, acho Sete Vidas (Seven Pounds/2008) um daqueles filmes que nos doem, mas que sempre acabamos assistindo novamente. Ainda outro dia, assistindo um episódio de um seriado médico, vi o excelente Mandi Patinkin fazendo belamente exatamente o que Will Smith faz em Sete Vidas. Se no seriado foi difícil de aceitar, apesar de estar claro que o personagem tinha de fazer o que escolheu, no filme a estranheza é ainda mais pulsante. O personagem de Patinkin diz à filha, mediante a recusa dela em aceitar sua escolha que “uma coisa é se suicidar e outra é escolher a morte”.

A eutanásia não é o tema de Sete Vidas. Na verdade, é a vida que acaba sendo celebrada, do começo ao fim. Triste é ver que a tristeza de Ben começa a se dissipar, justamente quando seu plano está para ser executado. E apesar de a sua escolha oferecer resultados positivos para as sete pessoas que ele escolheu, não há como descartar a inquietude provocada pela dor de Ben.

Gabriele Muccino, diretor de Sete Vidas, também dirigiu o belíssimo Em busca da felicidade (The Pursuit of Hapinness/2006), também estreado por Will Smith.

Não há como contar muito sobre o filme, pois ele é dos para ser descoberto a cada cena. Melhor assisti-lo... Eu certamente o farei mais vezes.

sábado, 28 de novembro de 2009

disco: PEQUENO CIDADÃO, Arnaldo Antunes, Antonio Pinto, Edgard Scandurra, Taciana Barros

Deve ser efeito da Júlia, desde março na barriga da mãe e na terça-feira (24.11.09) vinda ao mundo; deve ser o Bruno, há 6 anos parceiro de aventuras,

o fato é que encontrei esta pérola em forma de CD infantil, para marmanjos e marmanjas, para adultos, para todos nós...


é absolutamente arrebatador....é gostoso, sensível, irreverente, inteligente, ousado, emocionado, e muito mais...
pequeno cidadão é música psicodélica para crianças e é muito mais que isso!

Lançado em 2009 como projeto mais que especial de 4 grandes artistas e suas respectivas proles... filhos, poesias, canções tudo em sintonia, em harmonia, em pura infância...

Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra (que dispensam apresentações), Antonio Pinto (autor da magistral trilha sonora de Central do Brasil) e Taciana Barros (uma voz que merece muitas audições) fizeram um gol de placa!


São 14 canções, começando com
pequeno cidadão,e uma aposta na formação de gente decente, digna, educada, enfim...
o sol e a lua, é moderna, é eletrônica com letra e história de um romance impossível entre o quente e o frio, a noite e o dia, o sol e a lua, o primeiro amor, a descoberta do amor, a timidez;
meu anjinho é uma lindíssima e terna canção de ninar como poucas... é provavelmente a música mais bonita do cd... e tem um plural de xadrez, irresistível;
futezinho na escola, carrinho por trás tem o futebol como temática e são divertidas, ora com o som imemorial de um pátio escolar, ora com uma levada de samba que lembra bezerra da silva ou germano mathias;
o “X” é divertida, as vozes das crianças são bacanas, como vozes de crianças, afinadas ou não, com e sem protocolo, ensaiadas ou não;
sapo-boi deveria ser usada pelo ministério da saúde como combate mais inteligente da dengue;
leitinho, larga a lagartixa, o uirapuru, sobe desce, bonequinha do papai, mantem o altíssimo nível,

e o cd encerra com a comovente pererê, com o mestre ziraldo contando, cantando e ninando muitas gerações.

É desde já um CD para crianças, entendidos em crianças, curiosos, espirituosos, todos que nunca lar
garam ou largarão suas crianças por aí!

Ah, e quem quiser ouvir o CD basta clicar aqui.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

disco: ECO, Jorge Drexler

Minha teoria é a seguinte: a qualidade dos discos de intérpretes que também são compositores vai decaindo com o tempo. Isso porque, nos primeiros discos, há muito material do tempo em que o artista ainda não gravava. Chega um momento, lá pelo terceiro ou quarto disco, em que não há mais bom material antigo, e o disco tem que ser feito com canções produzidas recentemente. Como recentemente o artista tem dedicado mais tempo a shows e compromissos de divulgação de sua obra, o ofício de compor é deixado um pouco de lado: o artista agora já tem um público, talvez até já faça sucesso, mas já não tem mais músicas tão boas quanto as que lhe garantiram isso.

Bom, mas toda regra tem exceção. E eu encontrei uma exceção escandalosa no disco Eco, o sétimo da carreira de Jorge Drexler. Isso mesmo, o cantor e compositor uruguaio precisou de sete tentativas para fazer o disco perfeito, porque Eco é um daqueles raros discos em que não há nenhuma faixa ruim, todas as faixas são boas e ainda existem algumas obras-primas.

Como brasileiro, é difícil gostar das letras de músicas em outras línguas, afinal, entre nossos letristas, nós temos grandes poetas, capazes de fazer das letras de música verdadeiras obras literárias. E isso não acontece comumente mundo afora. Mas acontece com o Jorge Drexler, que ficou mundialmente conhecido por ter ganho o Oscar de melhor canção original com "Al Otro Lado del Río", que fez parte da trilha sonora do filme Diários de Motocicleta, sobre a vida de Che Guevara. A canção também está em Eco:

Yo muy serio voy remando muy adentro sonrío
Creo que he visto una luz al otro lado del río
Sobre todo creo que no todo está perdido
Tanta lágrima, tanta lágrima y yo, soy un vaso vacío
Oigo una voz que me llama casi un suspiro
Rema, rema, rema
Rema, rema, rema
(da música "Al otro lado del río")


Mais uns trechinhos de poemas-canções de Drexler:

Tu beso se hizo calor,
Luego el calor, movimiento,
Luego gota de sudor
Que se hizo vapor, luego viento
Que en un rincón de la rioja
Movió el aspa de un molino
Mientras se pisaba el vino
Que bebió tu boca roja.
(da música "Todo se transforma")


Vamos pedaleando
contra el tiempo,
soltando amarras.
Brindo por las veces
que perdimos
las mismas batallas.
Tengo tu sonrisa
en un rincón
de mi salvapantallas.
(da música "Salvapantallas")


Não bastassem as letras, as melodias e os arranjos também são maravilhosos, como você podem escutar nos tocadores aí em cima. O disco Eco pode ser ouvido, na íntegra, no site de Jorge Drexler, onde se podem encontrar também as letras e os demais discos.

Boa audição (e boa leitura, por que não?)!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

livro: POEMAS ESCOLHIDOS, Emily Dickinson

Fernando Pessoa não vale. É Deus. O melhor poeta em língua portuguesa que conheço é Cecília Meireles. Então não foi surpresa quando descobri o melhor da poesia em língua inglesa nas palavras de uma mulher: Emily Dickinson.

The Grass so little has to do —
A Sphere of simple Green —
With only Butterflies to brood
And Bees to entertain —

Neste pequeno livro de bolso que indico, uma edição bilíngue que traz uma pequena coletânea dos poemas de Emily Dickinson, Ivo Bender traduz essa estrofe de poema assim:

Bem pouco a fazer tem o pasto:
Reino de irrestrito verde,
Só tem borboletas para criar,
E abelhas para entreter —

Eu sou mais da turma do pé-da-letra e da métrica, e traduziria assim:

A Grama tem pouco a fazer —
Esfera Verde e simples —
Borboletas para cuidar
Abelhas a entreter —

Sempre considerei que o teste da poesia é a música. Assim como em sua origem — quando era cantada — poesia boa, verdadeira, tem que ser potencialmente musicável, mesmo que nunca seja realmente. Leio poesia com o ouvido interno atento à música e, de vez em quando, eu a escuto com clareza, feito quando li esse poema da página 79:

All the letters I can write
Are not fair as this —
Syllables of Velvet —
Sentences of Plush,
Depths of Ruby, undrained,
Hid, Lip, for Thee —
Play it were a Humming Bird —
And just sipped — me —


Na música, mudei levemente o assunto de "carta" pra "canção", e ficou assim:



Então é isso. Se dê ao prazer de entrar no universo delicado e estonteante da poesia de Emily Dickinson. Boa leitura!