terça-feira, 8 de dezembro de 2009

filme: BARFLY, Barbet Schroeder


Demorei a gostar dos escritos de Charles Bukwoski. Quando li o “Cartas na rua”, confesso que não me animei. Acontece que este, naquela época, para o meu gosto, não era dos melhores livros, tampouco eu era uma leitora que não estranhava o novo, ao invés de saboreá-lo. Mas isso mudou... Eu me aperfeiçoei como leitora e os poemas de Bukowski, assim como sua ácida prosa, me pegaram de jeito.

Assisti Barfly há tantos anos que nem sei quando. Acho que o filme chegou às locadoras porque alguns pensaram que seria mais um “9 semanas e ½ de amor” (Nine ½ Weeks/1986 – Adrian Lyne), já que Mickey Rourke era ator principal em ambos. E digo isso porque encontrá-lo é uma batalha. Ele sumiu das prateleiras, virou item de colecionador.

Eu gostava do Mikey Rourke por conta de filmes como “O selvagem da motocicleta” (Rumble Fish/1983 – Francis Ford Coppola) e “Coração Satânico” (Angel Heart/1987 – Alan Parker), este lançado no mesmo ano de Barfly, que decidi assistir porque vi que o roteiro era de Charles Bukowski. Meu gostar do autor foi homeopático, como que aprecia um bom vinho, não deseja que uma canção chegue ao fim, que a noite termine.

“Barfly” que ganhou subtítulo no Brasil, “Condenados pelo vício”, é uma semi autobiografia de Charles Bukowski, e acredito que outro ator não contaria essa história com tanta propriedade quanto Mickey Rourke. O grau de comprometimento do personagem Henry Chinasky com seu próprio vício, o fato de um bar ser praticamente a casa dele, o amor psicodélico e ébrio por Wanda, e a forma como lida com o próprio talento de poeta nato, fazem deste personagem a pessoa que encontramos nas obras de Charles Bukowski.

O roteiro de “Barfly” foi encomendado a Charles Bukowski pelo diretor do filme, Barbet Schroeder. Wanda Wilcox (Faye Dunaway) interpreta a mulher por quem Henry Chinasky (Mickey Rourke) se apaixona. Adoro Faye nesse papel...



O filme também é classificado como comédia, mas eu não consigo vê-lo dessa forma: uma simples comédia com toques de drama. Para mim, “Barfly” é uma daquelas obras de arte que tentam e quase conseguem traduzir a arquitetura da nossa humanidade. E são justamente suas imperfeições que mais gritam e embelezam a obra.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

filme: SETE VIDAS, Gabriele Murccino


O Ben Thomas de Will Smith, personagem central desse filme conduzido pelo número 7, considerado mágico e poderoso, chega a me deixar com aquela dorzinha no coração. A tristeza que ele interpreta é tão densa, tão angustiante que o expectador, sem perceber, passa a respirar tão pesado quanto o personagem, sentindo-se também acuado pela dor dele.

Particularmente, acho Sete Vidas (Seven Pounds/2008) um daqueles filmes que nos doem, mas que sempre acabamos assistindo novamente. Ainda outro dia, assistindo um episódio de um seriado médico, vi o excelente Mandi Patinkin fazendo belamente exatamente o que Will Smith faz em Sete Vidas. Se no seriado foi difícil de aceitar, apesar de estar claro que o personagem tinha de fazer o que escolheu, no filme a estranheza é ainda mais pulsante. O personagem de Patinkin diz à filha, mediante a recusa dela em aceitar sua escolha que “uma coisa é se suicidar e outra é escolher a morte”.

A eutanásia não é o tema de Sete Vidas. Na verdade, é a vida que acaba sendo celebrada, do começo ao fim. Triste é ver que a tristeza de Ben começa a se dissipar, justamente quando seu plano está para ser executado. E apesar de a sua escolha oferecer resultados positivos para as sete pessoas que ele escolheu, não há como descartar a inquietude provocada pela dor de Ben.

Gabriele Muccino, diretor de Sete Vidas, também dirigiu o belíssimo Em busca da felicidade (The Pursuit of Hapinness/2006), também estreado por Will Smith.

Não há como contar muito sobre o filme, pois ele é dos para ser descoberto a cada cena. Melhor assisti-lo... Eu certamente o farei mais vezes.

sábado, 28 de novembro de 2009

disco: PEQUENO CIDADÃO, Arnaldo Antunes, Antonio Pinto, Edgard Scandurra, Taciana Barros

Deve ser efeito da Júlia, desde março na barriga da mãe e na terça-feira (24.11.09) vinda ao mundo; deve ser o Bruno, há 6 anos parceiro de aventuras,

o fato é que encontrei esta pérola em forma de CD infantil, para marmanjos e marmanjas, para adultos, para todos nós...


é absolutamente arrebatador....é gostoso, sensível, irreverente, inteligente, ousado, emocionado, e muito mais...
pequeno cidadão é música psicodélica para crianças e é muito mais que isso!

Lançado em 2009 como projeto mais que especial de 4 grandes artistas e suas respectivas proles... filhos, poesias, canções tudo em sintonia, em harmonia, em pura infância...

Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra (que dispensam apresentações), Antonio Pinto (autor da magistral trilha sonora de Central do Brasil) e Taciana Barros (uma voz que merece muitas audições) fizeram um gol de placa!


São 14 canções, começando com
pequeno cidadão,e uma aposta na formação de gente decente, digna, educada, enfim...
o sol e a lua, é moderna, é eletrônica com letra e história de um romance impossível entre o quente e o frio, a noite e o dia, o sol e a lua, o primeiro amor, a descoberta do amor, a timidez;
meu anjinho é uma lindíssima e terna canção de ninar como poucas... é provavelmente a música mais bonita do cd... e tem um plural de xadrez, irresistível;
futezinho na escola, carrinho por trás tem o futebol como temática e são divertidas, ora com o som imemorial de um pátio escolar, ora com uma levada de samba que lembra bezerra da silva ou germano mathias;
o “X” é divertida, as vozes das crianças são bacanas, como vozes de crianças, afinadas ou não, com e sem protocolo, ensaiadas ou não;
sapo-boi deveria ser usada pelo ministério da saúde como combate mais inteligente da dengue;
leitinho, larga a lagartixa, o uirapuru, sobe desce, bonequinha do papai, mantem o altíssimo nível,

e o cd encerra com a comovente pererê, com o mestre ziraldo contando, cantando e ninando muitas gerações.

É desde já um CD para crianças, entendidos em crianças, curiosos, espirituosos, todos que nunca lar
garam ou largarão suas crianças por aí!

Ah, e quem quiser ouvir o CD basta clicar aqui.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

disco: ECO, Jorge Drexler

Minha teoria é a seguinte: a qualidade dos discos de intérpretes que também são compositores vai decaindo com o tempo. Isso porque, nos primeiros discos, há muito material do tempo em que o artista ainda não gravava. Chega um momento, lá pelo terceiro ou quarto disco, em que não há mais bom material antigo, e o disco tem que ser feito com canções produzidas recentemente. Como recentemente o artista tem dedicado mais tempo a shows e compromissos de divulgação de sua obra, o ofício de compor é deixado um pouco de lado: o artista agora já tem um público, talvez até já faça sucesso, mas já não tem mais músicas tão boas quanto as que lhe garantiram isso.

Bom, mas toda regra tem exceção. E eu encontrei uma exceção escandalosa no disco Eco, o sétimo da carreira de Jorge Drexler. Isso mesmo, o cantor e compositor uruguaio precisou de sete tentativas para fazer o disco perfeito, porque Eco é um daqueles raros discos em que não há nenhuma faixa ruim, todas as faixas são boas e ainda existem algumas obras-primas.

Como brasileiro, é difícil gostar das letras de músicas em outras línguas, afinal, entre nossos letristas, nós temos grandes poetas, capazes de fazer das letras de música verdadeiras obras literárias. E isso não acontece comumente mundo afora. Mas acontece com o Jorge Drexler, que ficou mundialmente conhecido por ter ganho o Oscar de melhor canção original com "Al Otro Lado del Río", que fez parte da trilha sonora do filme Diários de Motocicleta, sobre a vida de Che Guevara. A canção também está em Eco:

Yo muy serio voy remando muy adentro sonrío
Creo que he visto una luz al otro lado del río
Sobre todo creo que no todo está perdido
Tanta lágrima, tanta lágrima y yo, soy un vaso vacío
Oigo una voz que me llama casi un suspiro
Rema, rema, rema
Rema, rema, rema
(da música "Al otro lado del río")


Mais uns trechinhos de poemas-canções de Drexler:

Tu beso se hizo calor,
Luego el calor, movimiento,
Luego gota de sudor
Que se hizo vapor, luego viento
Que en un rincón de la rioja
Movió el aspa de un molino
Mientras se pisaba el vino
Que bebió tu boca roja.
(da música "Todo se transforma")


Vamos pedaleando
contra el tiempo,
soltando amarras.
Brindo por las veces
que perdimos
las mismas batallas.
Tengo tu sonrisa
en un rincón
de mi salvapantallas.
(da música "Salvapantallas")


Não bastassem as letras, as melodias e os arranjos também são maravilhosos, como você podem escutar nos tocadores aí em cima. O disco Eco pode ser ouvido, na íntegra, no site de Jorge Drexler, onde se podem encontrar também as letras e os demais discos.

Boa audição (e boa leitura, por que não?)!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

livro: POEMAS ESCOLHIDOS, Emily Dickinson

Fernando Pessoa não vale. É Deus. O melhor poeta em língua portuguesa que conheço é Cecília Meireles. Então não foi surpresa quando descobri o melhor da poesia em língua inglesa nas palavras de uma mulher: Emily Dickinson.

The Grass so little has to do —
A Sphere of simple Green —
With only Butterflies to brood
And Bees to entertain —

Neste pequeno livro de bolso que indico, uma edição bilíngue que traz uma pequena coletânea dos poemas de Emily Dickinson, Ivo Bender traduz essa estrofe de poema assim:

Bem pouco a fazer tem o pasto:
Reino de irrestrito verde,
Só tem borboletas para criar,
E abelhas para entreter —

Eu sou mais da turma do pé-da-letra e da métrica, e traduziria assim:

A Grama tem pouco a fazer —
Esfera Verde e simples —
Borboletas para cuidar
Abelhas a entreter —

Sempre considerei que o teste da poesia é a música. Assim como em sua origem — quando era cantada — poesia boa, verdadeira, tem que ser potencialmente musicável, mesmo que nunca seja realmente. Leio poesia com o ouvido interno atento à música e, de vez em quando, eu a escuto com clareza, feito quando li esse poema da página 79:

All the letters I can write
Are not fair as this —
Syllables of Velvet —
Sentences of Plush,
Depths of Ruby, undrained,
Hid, Lip, for Thee —
Play it were a Humming Bird —
And just sipped — me —


Na música, mudei levemente o assunto de "carta" pra "canção", e ficou assim:



Então é isso. Se dê ao prazer de entrar no universo delicado e estonteante da poesia de Emily Dickinson. Boa leitura!

sábado, 10 de outubro de 2009

disco: ZII E ZIE, Caetano Veloso

não é um disco fácil.

é um disco de caetano, ou melhor é o novo disco do caetano.
não é um disco solar a começar por sua capa...presume-se que seja o rio de janeiro, mas o rio de caetano é de sombra, penumbra e pouca luminosidade!


o rio está úmido e sombrio... no rio choveu muito em 2008, ano da feitura do disco.
presume-se que sejam rocks e sambas, mas são transambas e transrocks.
até o título é sui generis...zii e zie...expressões italianas lembram mais sampa que o rio, mas o cd está impregnado de rio de janeiro por todos os lados.



depois do invulgar, incomum, inusual e trangressoer Cê, a que tive o privilégio de assistir em Brasília (lançamento da turnê brasileira) e na sua passagem por Teresina, e claro assistir ao visível desapontamento de uma parte da platéia que quer sempre e por todo o sempre ouvir Leãozinho e Você é Linda, Caetano atacava de Rocks, Odeio Você, Amor Mais que Discreto, Não Me Arrependo de Você (dessas músicas de ódio que você só faz lembrando de alguém que você foi capaz de muito amar)...

mas isso é o Cê e Zii e Zie fez o Cê tornar-se passado.

agora no cd novo, com uma feitura de obra em progresso, em shows no rio ano passado, as novas músicas foram sendo apresentadas generosamente ao público, no melhor estilo men at work...


a banda está ainda mais afiada, a sonoridade não é a princípio acolhedora, as camadas de sons vão se decantando aos poucos, o canto de caetano é sempre ou quase sempre limpo e sempre bonito, e o encanto escondido e oculto como eclipse, surge e se estabelece em definitivo.

vamos às músicas...

bem...são treze canções, da politizada Base de Guantánamo, passando pela boba Tarado Ni Você (esta talvez a faixa mais fraca da obra)...

há a linda Sem Cais,

a pungente Perdeu (com a bandaCê inspiradíssima),

as alegres e coloridas
A Cor Amarela (música de verão de um CD de outono), e

Menina da Ria (lembram de menino do rio, mas agora trata-se da descrição de uma passagem lusitana do mano Caetano),

há o rio em Lapa (“Pobre e requintado e rico e requintado/ E refinado e ainda há conflito/ Pelourinho vezes Rio é Lapa/ Lapa/ Veio a salvação/ Lapa/ Falta o mundo ver/ Assim”) e

ainda mais versos interessantes de Diferentemente:
“Eu nunca imaginei que nesse mundo/ Alguma vez alguém soubesse quem é/ Mas se você me vê seus olhos são mais do que meus/ Pois amo/ E você ama/ E aí o indizível se divisa/ E a luz de tantos céus inunda a mente”,

há batidas inteligentes e desconcertantes (o arranjo de incompatibilidade de gênios) e

por fim o convite do Ota para que vocês conheçam o novo de um artista consagrado, que tem a sacra e profana ousadia de experimentar, de sair do cânone, de buscar novas luzes, novos caminhos, e ele como diz a mana Bethânia nem sempre acerta, nem sempre é bonito, mas é sempre bom ver alguém com coragem em tempos tão...


quarta-feira, 7 de outubro de 2009

livro: ABISMO POENTE, Whisner Fraga


Conheci o Whisner Fraga passando cheque sem fundo pra ele... Pois é...

Havia duas coisas, em 1998, com as quais estava aprendendo a lidar: conta em banco e me enturmar no cenário literário. Nesse ano, o Whisner organizou uma antologia de contos para a Blocos Editora, naquele sistema de o autor colaborar financeiramente com o feito. Bom, eu colaborei com um conto e também com um cheque sem fundo. Mas foi apenas descuido de principiante. Paguei a conta e ganhei um amigo.

Mais do que um amigo, tornei-me apreciadora das obras desse autor. De Seres e Sombras, passando por inéditos que – agradecidamente - recebo por e-mail para matar a vontade de lê-lo, pelo belíssimo O Livro dos Verbos, chegando ao atual Abismo Poente. As obras de Whisner Fraga mostram um autor plural.

Primeiro que meu lado poeta não se fez de rogado e adorou o título. Depois, Abismo Poente - uma coletânea de contos que, na verdade, pode ser lida como um romance – se mostrou uma obra muito bem construída, capaz de levar o leitor a uma viagem intrigante e interessante pela cultura dos imigrantes libaneses, numa linguagem tão intimista que permite que nos embrenhemos na trama como se a assistíssemos pela janela.

Particularmente, muito me encanta a forma como Whisner tece metáforas. Há nesse fazer um enriquecimento poético em Abismo Poente, numa prosa que desvela desafetos, descuidos, maledicências, estrangeirismo até mesmo quando se chama a terra onde se pisa de lar. A pessoa quem se ama de lar.

Chegar ao âmago do ser humano, ainda antes de lhe alcançar a bondade, o amor e a compaixão, é tarefa para poucos. Whisner Fraga é um desses poucos. E Abismo Poente é uma das provas.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

disco: MARIA GADÚ, Maria Gadú


Eu me deparei com esse disco e, desde então, não paro de descobrir qualidades nele.

Maria Gadú já é um nome conhecido, com música em trilha de novela e tudo o mais. Só que eu não ando muito no dial dos hits, então demorei mais para saber dela. E foi assim, uma coincidência providencial.


Num momento em que muitas moças acreditam piamente que são ótimas intérpretes e compositoras exemplares, Maria Gadú chega sendo e não apenas acreditando ser. A voz peculiar, capaz de nos acompanhar pela graça e pelo delírio de sua música, e o violão afinado com a poesia das letras, carregam uma irreverência necessária para conquistar ouvintes que querem mais, muito mais que sucessos fabricados.

No auge dos seus 22 anos de idade, Maria Gadú promete e, ainda bem, tem tudo para cumprir essa promessa.

sábado, 26 de setembro de 2009

filme: LA BELLE VERTE, Coline Serreau

Sabe quem eu gostaria de conhecer? O presidente da república, meus artistas favoritos? Não. Com certeza, meu bisavô, de quem todo mundo fala entusiasticamente na família, mas Pai Quinco já faleceu. Eu gostaria de conhecer uma dessas pessoas que fazem a tradução do título dos filmes. Uma dessas pessoas que me obriga a colocar o título original na chamada desta postagem porque não tenho coragem de usar o título brasileiro. Afinal, o que você pensaria de um filme com o título "Turista Espacial"? Possivelmente, algum filme de ficção científica barata. Não, é melhor que você — que talvez nem saiba francês — não tenha ideia do que o título quer dizer. A ignorância é melhor do que uma compreensão errada.

A Bela Verde é um título misterioso, porque não se fala nada sobre isso no filme. Se fosse A Bela Azul, suporíamos que se trata da Terra — e talvez se trate, porque, afinal, a Terra não deve ser azul pra todo mundo. A protagonista é Mila, uma habitante de outro planeta que deseja conhecer o planeta de origem de seus ancestrais: a Terra. Não, nada de máquinas e aparatos tecnológicos. A viagem é feita numa bolha impulsionada pelos pensamentos dos habitantes desse evoluído planeta — embora se pareça mais com um bando de hippies.

Aliás, há que se deixar de lado a razão pra aproveitar esse filme. O choque cultural que Mila enfrenta na Terra — automóveis, consumo de carne, ar poluído, raiva etc. — gera uma série de situações hilárias, por vezes graciosas, e quase sempre profundamente questionadoras da nossa maneira de enxergar o mundo e nossa vida.

Por exemplo, a deliciosa cena em que Mila pergunta a uma terráquea sobre o conteúdo de sua bolsa. Quer saber por que a mulher usa batom. A mulher diz que para ficar mais bonita, atraente, para agradar as pessoas, para ser amada por elas. Depois Mila pergunta sobre um álbum de fotografias, e a mulher lhe mostra o marido e os filhos. "Ah", diz Mila, "as pessoas que você ama". A mulher confirma. E Mila arremata: "E eles não precisaram usar batom?"



O filme é dirigido e estrelado por Coline Serreau. Como se não bastasse, ela ainda fez a trilha sonora. Um filme delicioso de assistir.

A Belle Verte me fez lembrar com saudades minha querida Andréa, que me introduziu à Antropologia e às diferenças culturais. Déa gostaria de ter conhecido esse filme. Talvez você também goste de conhecê-lo. Tem uma versão, embora numa resolução não muito boa, no Youtube. Desejo boa sorte se tentar localizá-lo numa locadora, o filme não é nada comercial.

Ah, um aviso: cuidado pra não ser desconectado. Do Youtube? Da internet? Não. Da matrix? Talvez. Assista ao filme e você vai entender.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

livro: OFICINA DE ESCRITORES, Stephen Koch

Manuais são armadilhas. Atraentes, mas fatais. Atraentes porque prometem acesso rápido e fácil a algo que parece difícil. Fatais porque decepcionam: é preciso mais do que um manual para se fazer qualquer coisa. Quando se trata de alguma atividade criativa, então, a atração e o perigo são ainda maiores, afinal quem acreditaria num manual de escrita, por exemplo? Os estilos e as formas de expressão na arte são tão variados que para cada "faça isso" existe um igualmente verdadeiro "faça aquilo", embora isso e aquilo possam, com alguma frequência, ser opostos.

Pois bem, Oficina de Escritores, do Stephen Kock, consegue escapar da armadilha. E o faz apresentando pontos de vista conflitantes sobre cada tópico. Embora o autor defenda seu próprio ponto de vista, ele sempre deixa a porta aberta para "exceções" que podem ser o caso do leitor candidato a escritor.

O livro inicia assim:

"Só há um jeito de começar: é começar agora. Comece, se preferir, assim que terminar de ler este parágrafo, ou, em todo caso, antes de concluir a leitura deste livro."

Esse simples início serviu como uma espécie de abracadabra pra mim. Ao terminar de ler o primeiro capítulo, eu, que até então tinha escrito apenas histórias curtas, comecei a escrever uma história que hoje, terminada a leitura de Oficina de Escritores, já passou da página 40. O livro de Koch, sem dúvida, tem um papel importante nisso.

As informações que encontrei nele estão sendo valiosas para que eu me desenvolva como um escritor e tenho certeza de que, mantendo-o à cabeceira, terei como concluir uma novela, talvez até mesmo um romance.

Outra virtude do livro é que há muitas, mas muitas mesmo, citações de escritores sobre o ato de escrever. Essas citações foram recolhidas em entrevistas e biografias desses autores e dão um toque todo especial ao livro, fazendo com que a gente se sinta mais próximo do mundo da literatura, como se já fizéssemos parte do clube de escritores que divide com a gente suas dicas.

Quantas vezes alguém pode dizer, nessa vida, que aprendeu com prazer? Poucas, bem poucas. Para mim, a leitura deste livro foi uma delas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

disco: TEN SUMMONER'S TALES, Sting

Sting é um grande instrumentista, inspirado letrista, um músico de ótimas qualidades. Um dos discos dele que mais gosto foi lançado em 1993. Apesar do tempo que separa o lançamento do agora, este é um disco atual.

Ten Summoner’s Tales traz uma série de músicas belíssimas, com arranjos impecáveis. Também a riqueza rítmica me seduziu, não só por ser fã de carteirinha do baterista que participou deste projeto, Vinnie Colaiuta, mas também pela arquitetura musical idealizada por Sting.

A primeira vez que ouvi as canções desse trabalho, não foi em CD. O DVD Ten Summoner’s Tales pode trazer o mesmo material que o CD, mas certo é ter os dois. Filmado na casa de Sting, Lake House, em Wiltshire, Inglaterra, o DVD traz versões ao vivo, além de momentos interessantíssimos entre os músicos.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

filme: EU, MEU IRMÃO E NOSSA NAMORADA, Peter Hedges

Eu gosto de filminhos. Não, não falo de curtametragens. Filminho é aquele filme que não tem diretor famoso, não é baseado em nenhuma obra-prima da literatura universal, não retrata nenhum grande evento histórico, não tem incríveis efeitos especiais nem apresenta inovações técnicas de uso de câmera, enquadramento etc. Filminho é aquele filme que conta uma boa história e pronto. Vai direto ao ponto, emociona. Adoro filminhos.

Acabei de ver um filminho. Que a distribuidora brasileira parece que queria transformar num "filminho" (em sentido pejorativo) ao fazer a tradução do título: em vez de "Dan na vida real" ("Dan in Real Life") ou simplesmente "Na vida real", ou ainda mais simplesmente "Na real", resolveram colocar isso aí: "Eu, meu irmão e nossa namorada". Esse é tipo do título que jamais me faria a ver um filme, tanto que só soube do título depois, porque encontrei o filme na lista dos 250 melhores do IMDB (Internet Movie Database), o site para onde vou quando quero saber qualquer coisa sobre um filme qualquer, filminhos e filmões. O site é em inglês — infelizmente para alguns.

A ideia do filme chega a ser simplória: um cara, viúvo com três filhas, se apaixona pela namorada do irmão. O detalhe: antes de saber que ela é a namorada do irmão, e a caminho de um final de semana em que o irmão apresentaria a nova namorada para toda a família. Agora complicou, quer dizer, melhorou. É a vez do viúvo, que escreve colunas moralistas a la Içami Tiba, provar da tal vida real: atraído por alguém por quem não deveria estar atraído.

As situações são maravilhosas: às vezes delicadas, às vezes hilárias; sempre comoventes. Um dos destaques é a trilha sonora. Músicas ritmadas, muito gostosas de ouvir, e que dão vontade de dançar. Em determinado momento, a trilha sonora se mistura com a história, quando o viúvo está esperando uma conhecida que tinha visto pela última vez na adolescência, e que era conhecida como "cara de porco". Os irmãos de Dan inventam a canção da Cara de Porco que — surpresa! — quando chega à casa, todos descobrem tratar-se de uma mulher lindíssima. Nada comparada, entretanto, à bela Juliette Binoche, namorada do irmão, então Dan ainda tem que passar por maus pedaços.

Bom, é isso. Contei demais. Mas uma outra característica dos filminhos é que não importa você saber da história, o filme continua bom. Filminhos são bons de ver vezes sem conta, mesmo a gente já sabendo tudo que vai acontecer, tintim por tintim.



Então vão lá. Saboreiem o trailer e depois vejam o filme. E passem adiante, porque filminho também não tem grandes orçamentos de propaganda: depende do boca-a-boca.

filme: ACROSS THE UNIVERSE, Julie Taymor


Eu não sou conhecedora de The Beatles como alguns que eu conheço. Na verdade, comecei a me aprofundar na obra deles, depois de ouvir todos os discos, ano passado, e compreender a genialidade, os belíssimos arranjos e as instigantes letras que seduzem milhões e há décadas.

Permiti-me seduzir... Finalmente, alguns amigos alegaram. Finalmente, posso alegar.

Depois dos discos, veio o conhecimento sobre as mais interessantes versões de hits da banda. Incrível como os mocinhos de Liverpool criaram canções capazes de permanecer tão atuais. E foi aí que cheguei a um fantástico musical: Across The Universe.



Lançado em 2007, este filme é uma obra-prima, mesmo se considerado pelo meu parco conhecimento sobre The Beatles. Se eu não conhecesse nenhuma canção apresentada no filme, certamente me apaixonaria por ele assim mesmo, e no ato!

A história de “Across The Universe” é muito bem costurada às cenas musicais, misturando-se o enredo de forma tão intensa que as músicas parecem surgir, como se fossem a trilha sonora da trama. Não sentimos aquele quê de “agora é hora da música” que nos desconecta da história e muitas vezes nos aborrece em fórmulas prontas de musicais não tão bem produzidos.



Há momentos especiais, como as participações de Joe Cocker em Come Together e de Bono Vox em I am the walrus. Sem contar as presenças marcantes de Dana Fuchs e Martin Luther.



Com um elenco de primeira, atores e intérpretes, entre eles Evan Rachel Wood interpretando Lucy e Jim Sturgess como Jude, e a visão moderna da diretora Julie Taymor, “Across The Universe” certamente nos oferece uma viagem fantástica pelo tão fantástico quanto mundo de John, Paul, George e Ringo.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

disco: ALEGRIA GIRAR, Validuaté


Este é o segundo cd da banda piauiense Validuaté. Prometi o cd como presente a um caro amigo cearense que passa uma temporada em Brasília. Promessa comprida e ainda não cumprida, mas de todo modo o CD chegou primeiro neste blog, como minha participação inicial.


A capa é linda e não é tudo. Se a menina black joga ou segura a isca ou a linha da pipa (pandorga, papagaio) na capa, se as janelas estão todas ou quase todas abertas, na contra capa há um lindo peixe pretensamente francês (sabe-se depois) em sua saga, e um guardachuva vermelho. Se as nuvens habitam as paredes,
o céu está no chão...



“Caminhos não há,
mas os pés na grama os inventarão.
Aqui se inicia uma viagem clara rumo à encantação”.

Promessa lida pelo bardo Ferreira Gullar.

Promessa cumprida pela banda piauiense, universitários com origem mezzo Teresina, mezzo União (cidade próxima à capital).





São 13 canções, letras originais de compositores múltiplos, sons piauienses e universais. Tambores, pop-rock, brega trash-romântico, cavaquinhos e sambas indies, canto gregoriano (dispensável), baladas de amor e desamor, temas líricos e épicos para corações e mentes, numa mistura elegante, inteligente e original.
E piauiense porque não.

O trabalho conta com participações especiais: a vinheta com o Ferreira Gullar na abertura dos trabalhos, a locução do Isaac Bardavid com narração de excertos trovejantes na “Lenda do Peixe Francês” — uma das melhores letras — e um texto cinemascópico para o próximo Anima Mundi, de Thiago e (poesia, cavaquinho, pandeiro e vocais). Vejam se não daria um ótimo enredo de desenho animado.


Lirinha do Cordel do Fogo Encantado pontua a quilométrica e engenhosa “Hermeto e o Gullar” (a propósito...alguém já viu a orelha da Maria Bethânia?). Da Bahia, Zéu Brito, baiano com incursões em diversas artes, e a parceria em ‘Bruta como Antigamente”, com pitadas sadomasoquistas hilárias. Márcio Greyck não canta no CD, mas de sua lavra os meninos transmutam “Eu preciso de você” — em leitura inspirada.

E as composições da banda, os vocais do José Quaresma, os instrumentos e arranjos que garantem uma sonoridade parceira da qualidade acima da média das letras.


Há grandes versos:

de “Cortesia”: soturno vão há em meu coração...sem me tocar sou luz em refração...a soluçar um riso indolor...se fico só em meio a multidão, sem viajar me pego em União... e lá sei que minh’alma abre em flor;


em outras letras há alguns achados de pretéritos mais que perfeitos
quisera eu tamanha inspiração...

Lançado no final de julho em Teresina, no Teatro 04 de Setembro, com casa lotada em uma quinta-feira, numa noite de chuva torrencial,

a ‘chuva dos cajus’,
trouxe a floração de uma banda em estado de graça.

Se os pátios estavam partidos em festa, título do muitíssimo bem recebido primeiro cd da banda,









a alegria girar foi a marca, a inspiração, a respiração e a transpiração deste novo momento.

“Já é tempo de sair do lugar, já é tempo da tristeza acabar. Já é tempo da alegria girar”.

Ouçam trechos das músicas no site da banda.


Até a próxima!

terça-feira, 15 de setembro de 2009

filme: HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO, Philippe Claudel

"Viver é afinar o instrumento: de dentro pra fora, de fora pra dentro", diz a canção.

Quando quero afinar minha vida de fora pra dentro, assisto a filmes. Mas bom mesmo é quando penso que já estou afinado e vem um filme, do nada, pra me afinar exatamente naquilo que eu estava precisando mesmo que eu ainda não tivesse percebido isso. Aconteceu comigo semana passada, quando entrei numa sala pra ver "Há tanto tempo que te amo", de Philippe Claudel.

É estranho falar desse filme porque, ao vê-lo, desejei não ter lido nada, absolutamente nada sobre ele antes de assisti-lo. Eu li apenas a sinopse, e talvez meu impacto tivesse sido ainda maior se não tivesse lido sequer a sinopse. Então eu simplesmente diria: "Vá vê-lo, sem informação prévia ou expectativa". Mas não funcionaria porque você já recebeu esse pouco de informação que estou dando e eu, de certa forma, já criei uma expectativa.

Então posso dizer que é um daqueles filmes em que os personagens são tão incomumente comuns e tão distanciadamente próximos que você tem vontade de viver com eles por alguns dias, participar de suas vidas, ver o que acontece depois que o filme acaba.

Vou contar, sem contar. Serei evasivo...

Tudo começa com uma irmã mais velha que é recebida na casa de uma irmã mais nova após uma longa ausência. Essa irmã mais velha, enquanto tenta arranjar trabalho na nova cidade, altera a rotina da casa de sua irmã mais nova, tendo uma relação conflituosa com seu marido e suas duas filhas. O conflito está cheio de medo e, à medida que o medo vai sendo vencido pela comunicação, começa a se estabelecer o amor naquela casa. Pronto, é isso. Mais não digo. Tem que ser visto. Com poucas informações e sem expectativa, insisto.

Se você não entende nada de francês, nenhuma palavra sequer, veja o trailer abaixo e comece a se acostumar com os rostos antes de vê-los na tela do cinema.




E bom filme!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

filme: QUATRO MINUTOS, Chris Kraus

Hoje passarei na locadora. Quem sabe, depois de alguns pedidos, eles já tenham recebido o filme que desejo assistir novamente. Não... Ele não é nada fácil de digerir, porém tem aquela beleza bruta que toda dolência oferece. E a gente se apaixona justo por aqueles momentos em que as personagens principais se rendem ao afeto que nasce entre elas, apesar da relutância, das suas biografias desgrenhadas.

Assisti “Quatro Minutos” num canal de TV a cabo, há alguns meses. “Vier Minuten”, nome de batismo do dito, ele que é oriundo da Alemanha, fala sobre duas mulheres: uma jovem, brincado de cabra-cega com vida à beira do abismo, e uma já senhora, com a história de vida embrenhada nas rugas que enfeitam a sua feição dura.

Nada na vida dessas mulheres remete à leveza. O filme se passa, quase inteiro, dentro de uma prisão feminina, na qual Traude Krüger (Monica Bleibtreu) leciona piano e Jenny von Loeben (Hannah Herzsprung), um talento musical voraz, cumpre pena por assassinato.

É justamente a música que consegue nos lembrar da humanidade dessas pessoas envolvidas com seus crimes, suas carências, a autoria de vidas desamparadas. O piano na sala de concreto fria, à mercê da realidade; os dedos de Jenny dançando ora rasteiros ora lânguidos pelo piano, enfrentando a austeridade da professora. Em alguns momentos, torcemos para elas se dispam das suas reservas, das tolas proteções, e demonstrem um pouco que seja de carinho uma pela outra. Não que o carinho não exista.

Belíssimo filme, com duas atrizes fantásticas, e uma cena final que me deixou muito emocionada. Só gostaria de saber se é a própria Hannah Herzsprung quem toca o piano. As cenas dela ao piano são um misto de exuberância, raiva, ritmo e paixão.

livro: OS ARQUIVOS DE DEUS, Ruy Fabiano

Comecei a ler o livro no dia seguinte ao lançamento. Larguei no primeiro conto.

Um ano depois, com raiva de mim mesmo por comprar tantos livros e não ler, resolvi dar uma chance aos que estavam desprezados na estante. Então peguei novamente OS ARQUIVOS DE DEUS, do Ruy Fabiano. Não recomecei pelo primeiro conto, para não correr o risco de parar novamente. Fui direto ao segundo conto e, daí, não parei mais.

Não que tenha sido uma leitura fácil. Em alguns momentos, tem-se a mesma dificuldade que com Borges da primeira vez. Mas os contos são interessantes, embora tratem de um assunto que jamais pensaria dar um bom livro de contos: a espiritualidade. O que faz o livro interessante é a abrangência com que o Ruy Fabiano trata o tema, tanto do ponto de vista da forma quanto do conteúdo. Os contos variam de simples causos de assombração a verdadeiros tratados sobre a origem do universo. Seja sobre uma simples morte, seja sobre a pedra filosofal, o livro vai nos ganhando pelas histórias bem contadas: lançam o anzol logo no início e depois vão nos fisgando aos poucos; terminamos frequentemente presos no final de cada conto.

Eis o início de um dos contos, "O Encontro", só pra tentar fisgar vocês:

"Dizia-me Sebastião Baptista, saudoso poeta de cordel, em torno de quem gravita esta história, que no sertão o Diabo é vizinho de Deus. E ainda: 'É preciso cuidado para não bater na porta de Um e encontrar, por equívoco, o Outro'. O próprio Sebastião, como adiante veremos, viveu essa circunstância."

Boa leitura!